27.6.14

Impróprio

Ele tem olhos misteriosos
que me encaram diretamente.
Ele tem lábios carnudos
que se mordem perigosamente.

Aí vem um sentimento inesperado;
um tanto previsível diante de nós.

Ele tem um sorriso
cuja simplicidade me encanta.
Ele tem um coração
cujo tamanho eu não me importo.

Aí vem um sentimento impróprio;
impróprio à mente, mas não à carne.

– por J. C. Gonçalves

26.6.14

Pássaros

Uma vez ouvi um grito
vindo de dentro de mim.
Então eu abri meu coração ao mundo,
a fim de silenciá-lo,
mas o mundo não bastou.

Soa como celestial,
mas é apenas natural.

Uma vez senti falta de lugares
em que  jamais estive.
Então fechei meus olhos,
a fim de esquecê-los,
mas esquecer não bastou.

Soa como um hino,
mas isso não é o que imagino.

Uma vez me entediei
com todos os barulhos da cidade.
Então corri para a floresta,
a fim de encontrar satisfação,
mas o isolamento não bastou.

Soa como o mar,
mas é um pouco mais devagar.

Uma vez ouvi os pássaros
e decidi segui-los.
Então eu escolhi amar despreocupadamente,
a fim de recuperar minha humanidade,
mas nem mesmo o amor bastou.

Soa como paz,
mas isso não é o que traz.


– por J. C. Gonçalves

18.6.14

Maravilhoso

A qualquer um

O aviso

A beleza é perigosamente apaixonante
bem como a pessoa que ela habita.
Logo, não me responsabilizo
por suas precoces paixões,
tampouco por suas irrealizações.

1ª desconhecido / O operário

Um sorriso charmoso
capaz de derrubar os muros
ao redor do meu pequeno coração.

Assim, ele segue seu próprio caminho
à medida que se sente mais sozinho.

Ele é um encanto
que, no entanto,
vive no futuro.

Ó ele é uma máquina, ao menos
trabalha na velocidade de uma.

2ª desconhecido / A escultora

A melancolia dissolvida
no redondo rosto dela
é de extrema raridade,
pois assemelha-se à minha.

Tantos formatos!
Tantos ângulos!
Tantos pontos de vista!
Tantos planos!

Ó ela sofre de simplicidade
dentro de um mundo
assim tão complexo.

3ª desconhecido / O sonhador

Olhos de céu matutino
que uma vez me fitaram profundamente,
fazendo-me devanear em um desatino.

Um rapaz que foi abandonado no deserto
(no deserto do consciente).
Um rapaz que foi encontrado no mar
(no mar do inconsciente).

Invejo os olhos jovens dele.
Olhos atentos a tudo e a todos.
Olhos com uma incrível inocência.

Às vezes sou como ele:
obcecado por loucura,
porém cheio de sensatez.

4ª desconhecido / A dadaísta

Os mais belos fios de ouro
na minha frente balançam
assim como identificam
a pessoa à qual eles pertencem.

Contudo, não sei o porquê
de tê-la visto com tanta afeição.

Ela não é nada para mim.
Ela não faz sentido assim.

Quiçá a beleza dela
seja algo único
(e isso é digno de afeto,
senão, ao menos, de contemplação).

5ª desconhecido / O artista

Quando ele fala, 

seus lábios são voluptuosos.
E quando ele se cala, 
eles são apenas lábios.

Considero minha apreciação
um tanto sentimental,
embora seja fatal.

Poetizo em pura expressão,
necessitando intervir ou não.
Sou ansioso bem como angustiado
e, portanto, me apaixono
externa e internamente
por sua beleza impressionista.

Beleza que outrora imaginei possuir
com o mesmo sentimento
que dedico a ele este espaço
de um poema pretensioso.

– por J. C. Gonçalves

17.6.14

Sussurros à Noite

Seu nome ainda é gritado
em noites de verdadeira solidão.
E o eco é suficiente
para me convencer.

Se houve alguma mudança,
por favor, deixe-a a salvo.
como qualquer acontecimento.

O amanhecer ainda é admirável
mesmo após sua ausência.
E à noite sinto falta dos sussurros:
sobre ela, sobre mim e sobre nós.

Se há algum sentimento,
por favor, mostre para mim
e então serei mais esperançoso.

– por J. C. Gonçalves

Jamais Cresça

A Drummond

E agora, Carlos?
Tive amigos, tive família,
tive paz e amor.
Só não tive tempo
para lembrar-me de tudo.

E agora, Carlos?
Fui filho, fui neto,
fui marido e pai.
Só não fui menino,
menino de viver infeliz.

E agora, Carlos?
Aprendi a falar, aprendi a rimar,
aprendi a crescer e ver o mundo mudar.
Só não aprendi a viver
como todos esperaram ver.

E agora, Carlos?
Nasci na Bahia, nasci no Brasil.,
nasci na América e no mundo.
Só não nasci no universo
(e isso não tem sentido).

E agora, Carlos?
Sou velho, sou grisalho,
sou inútil e sou poeta.
Só não sou uma criança,
pois desobedeci ao coração.

por J. C. Gonçalves

Ladrões

Carrego comigo
segredos que
nunca espalhei.

Carrego comigo
corações que
nunca possuí.

Carrego comigo
paixões pelas quais
nunca lutei.

Carrego comigo
amizades das quais
nunca me orgulhei.

Carrego comigo
verdades que
nunca duvidei.

Carrego comigo
sentimentos pelos quais
nunca esperei.

Carrego comigo
ladrões sobre os quais
nunca falei.

– por J. C. Gonçalves

14.6.14

Alma Poética

I

Não escrevo poesia,
eu apenas corto frases ao meio
e faço delas meus versos,
confissões e sentimentos.

Não crio rimas,
eu apenas junto belas sonoridades
e faço delas minhas canções,
hinos e serenatas.

II

Não sou poeta,
sou poético.
E quando eu encontrar minha alma,
eu poderei morrer sozinho.

Não sou poeta,
sou engenheiro de palavras
e quando eu encontrar minha alma poética,
eu poderei descansar em paz.

– por J. C. Gonçalves

12.6.14

Casa Azul

Abra as janelas de tua casa
pelas quais o vento nunca pôde entrar.
E então você se sentirá em brasa
mais do que em teu próprio lar.

Aspire o cheiro do infinito:
céu pálido e luzes ofuscantes.
Nada é assim tão restrito,
exceto teus grandes amantes.

Pinte de vermelho para poder me amar
ou de amarelo para poder me felicitar.
Mas não de azul! Azul me deixa infeliz,
pois não é amável (como um aprendiz).

Acenda o fogo
capaz de queimar esta ficção.
Ora felicidade, ora satisfação;
tudo pelo qual eu desafogo.

Apague o apreço
incapaz de te ter.
E fico feliz em saber
que ainda te conheço.

– por J. C. Gonçalves

7.6.14

Nova Realidade

Incertezas surgem a cada olhar:
de dúvida, de desprezo, de loucura…
… de fúria, de agressão e de extermínio.

Ofensas são cuspidas
por bocas semelhantes
às de quem as palavras
atingem cruelmente.

Pura demais para mim;
esta realidade é terrível demais.
Faz-me morrer cego de fatos
– atos em nome da paz;
paz falsa, inconveniente… ordinária!

Homens se matam todos os dias,
mas nunca o fizeram tão impiedosamente
quanto nos dias atuais. E é tudo tão insensível.
Duvido muito de nossos corações.

Reflexões são o que me resta,
pois sou frágil demais para mudar.
E não quero me perder neste mundo,
tampouco desejo escrever sobre sua realidade.

Louco demais para nós;
este pensamento é desumano demais.
Faz-me chorar devido aos atos
– fatos ditos por qualquer sujeito;
sujeito irreal, caduco… poético!

– por J. C. Gonçalves

3.6.14

Ilustre

A Fernanda Paula

Estou pronto para viajar
através de tua pessoa.
Estou pronto para desvendar
teus segredos mais sujos.
Estou pronto para redescobrir
a função da alma
– coração e sentimentos.

E se você ainda acredita
que sou um astronauta,
peço-te, minha querida,
que não perca a fé nisso.
Porque mesmo que eu não seja um,
gosto de fingir para te alegrar.
E precisamos ser mais celestiais!

À procura de algo melhor
do que a existência de nós dois.
Estou à procura de algo
que me faça ficar por mais tempo.
À procura de algo pior
do que a ausência de nós dois.

Tínhamos algo…
algo fácil de amar,
porém, fácil de perder.
Tínhamos tudo…
e nem isso foi o suficiente.
Tínhamos nada…
nada pelo qual lembrar.

– por J. C. Gonçalves

1.6.14

Pôr do Sol

O laranja pinta as nuvens
como se elas carecessem de algum cuidado
e todo o resto se pinta de escuridão.
O céu, então, é uma pintura impressionista.

A luz se esvai aos poucos
como uma lâmpada prestes a se queimar
e todo o resto prestes a se repousar.
O mundo, então, é uma poesia moderna.

A cidade se arrepia
como a fria e tenra pele
e todo o resto me arrepia também.
A dúvida, então, é prosa realista.

O Sol deita-se sob o horizonte
como um beijo de despedida noturno
e todo o resto me beija também.
O amor, então, é uma recíproca.

– por J. C. Gonçalves