26.5.14

Afeição

Meus olhos estão transbordando lágrimas
que não puderam vir antes
por causa da falta de sentimentos
– sentimentos faltantes.

Minha mão te toca em vão.
Sinto-me perdido, um tanto sozinho.
E ainda sou humano,
mesmo sem minha afeição.

Meu ombro lhe pertence agora,
por isso eu evito ir embora.
Desculpe-me, mas o amor é mais poético
do outro lado da rua.

Minhas palavras descansam em minha boca.
Afinal, basta sorrir para encantar
quem a afeição nunca pôde emocionar.
Desculpe-me, mas sou mais eu longe deste exagero.

– por J. C. Gonçalves

22.5.14

Finita, Efêmera e Suportável

I / Antes

Movia-me lentamente,
querendo sempre alcançar
o fim das estreitas estradas.

Encontrei decepções e satisfações;
mais decepções do que satisfações
e mais plurais do que singulares.

Cobicei tudo aquilo
além destes altos muros,
e nem por isso me adiantei na vida.

Acreditei nas crenças alheias
e esperei que de mim
o tempo se esvaísse… matando-me, enfim.

II / Durante

Entretanto, nem isso eu pude obter.
Segui tantos caminhos
e nem eles puderam me socorrer.

Ocasionalmente avistei margaridas
brotando em cima de muros
e entre os ladrilhos das ruas.

Era loucura avistar tantas margaridas.
Ora, para o inferno com a sanidade!
E o que seria da vida sem sua paradoxalidade?

Muito sofrimento para pouco tempo!
Pouca contemplação para muita beleza!
Muita angústia para pouco coração!

III / Depois

Ó, o outro lado:
temido por poucos,
querido por outros.

Embora o labirinto
pareça infinito e sofrível,
podemos encontrar a saída juntos.

A questão, porém, não é como podemos sair,
alcançando, enfim, a outra vida;
e sim, como podemos acabar com demasiado sofrimento.

Para recomeçar, devemos acordar!
Para acordar, devemos existir!
E assim a vida nos esperará!

– por J. C. Gonçalves

Caminho Errado

À primeira vista
pode parecer tentador.
Mas fomos enganados por tanto tempo
que nem mais nos importamos.

Meus lúcidos pensamentos
eu carrego dentro do bolso
de um casaco velho,
pois não quero parecer um filósofo.

Sabemos o quão errado é
o caminho pelo qual seguimos.
Mas a necessidade de locomoção é
o que provoca isso.

Sabemos o quão inútil é
procurar por outra saída,
outra resposta ou solução,
mesmo sabendo que existir é a solução.

– por J. C. Gonçalves

Labirinto de Sofrimento

“Às vezes, ainda acho que a ‘outra vida’ é algo que inventamos para apaziguar a dor da perda, para tornar nosso tempo no labirinto suportável.”

– John Green

Tão cheia de sofrimento.
Cheia de caminhos errados
que às vezes seguimos.
É um labirinto do qual
tentamos sair,
imaginando o outro lado.

Há somente uma solução,
um único caminho a ser seguido
e, talvez, uma única verdade a ser provada.
É um labirinto no qual
não suportamos viver.

Inútil querer mudar essa realidade
­­– realidade mais pura do que a felicidade.
É um labirinto sobre o qual
não sabemos nada.

É muito sofrimento para pouco tempo,
portanto, prefiro enfeitar esta prisão,
a fim de poder deixá-la mais feliz.

Não fico aqui, pois onde sempre sonhei estar,
a vida não me deu chance.

– por J. C. Gonçalves

Escuro Demais para Ficar

Quando as luzes se apagam
sinto medo de mim mesmo,
minha sombra para de andar a esmo
e em almas meus amigos se transformam.

Preso a um novo pensamento,
atravesso minha consciência com pressa.
Não quero ser tão lento,
portanto, nem vivo uma vida como essa.

Ainda não me acostumei ao amanhecer;
é tão cativante, cheio de futuro.
Ainda não me acostumei a te perder.

E aqui é tão escuro;
mais do que o entardecer.
Difícil de viver, eu juro!

– por J. C. Gonçalves

17.5.14

As Últimas Palavras de Eduardo

Ei Eduardo!
Seu nome não será esquecido.
Ecoará por nossas cabeças
bem como os gritos de desespero.
Invadirá nossos corações
bem como os antigos amantes.

Onde estão os instantes
que apunhalam o peito,
investigam o corpo
e o enchem de tristezas?
Aonde eles foram?
Onde eles estão?

Ó Eduardo!
Não consigo ser corajoso;
não depois de te ver tão frio.
Ela não consegue manter-se em pé;
não depois de ter seu coração partido.

Tanto tempo penetrado na escuridão
te fez ambicionar aquela última vontade
– quase inalcançável, quase em vão...
Espero que eles saibam ser sensíveis,
porque realmente não sei o que mais devo sentir.
Ó demasiadas palavras dissolvidas em um simples anseio!

– por J. C. Gonçalves

15.5.14

Uma Orquestra à Meia-Noite

Talvez eu não tenha acordado
tão prontamente.
Talvez eu não tenha silenciado
tão prudentemente.
Talvez eu nunca tenha te escutado.

“O corte profundo
não é a única dor
sentida neste mundo.
Faça algo encantador,
do contrário, eu me confundo.”

Ouço a orquestra tocar.
Anuncia a tragédia
que persisti em não lembrar;
porém, a sinfonia descreve aquele dia:
demasiadas melancolias suspensas no ar.

Pedi-te para não partir assim
e você me pediu para ser corajoso.
E de repente a explosão te tirou de mim
bem como do seu amor prazeroso.
Como posso continuar sem aquele por quem eu vim?

Lamentar está fora de hora
– coisa vazia, meio instável.
Fitando o céu, lembro as palavras de outrora:
“o amanhecer é tão admirável
depois que a noite vai embora.”

– por J. C. Gonçalves

14.5.14

Sofia Aprendeu a Amar

Ei Sofia!
O amor não está perdido.
Está apenas em falta
assim como o coração.

Você se apaixonou por ele
antes de a rebelião começar.
Ele se apaixonou por você
depois de sua mente mudar.

Ó Sofia!
Você encontrou o amor cedo demais.
Cedo demais para senti-lo.
Cedo demais para sofrer dele.

Agora ele não sente nada além de frio.
Ele não ouve nada além de sussurros.
Ele não enxerga nada além da salvação.
Ele não ama nada além da sobrevivência.

Ei Sofia!
Não se entristeça.
Amar não é apenas uma habilidade, mas um dom!
Um dom que já foi esquecido…

Se tudo está acabado,
o que eu deveria fazer com estes versos?
Eu deveria escondê-los? Eu deveria rasgá-los?
Eu deveria recitá-los? Por favor, diga-me!

– por J. C. Gonçalves

Inesquecível

I

Visitávamos aquela casa abandonada.
Gritávamos nossos nomes por nada.
Corríamos pelas ruas antes do anoitecer.
Esperávamos não nos tornar aquele ser.

Sim, efêmera foi nossa infância,
por isso, conto-a com tanta elegância.
Não, não foi um desperdício,
tampouco se tornou um vício.

Muitos invejavam nossa jovialidade
bem como nossa idade.
Muitos planejavam nosso futuro;
sempre bom e mau, nunca puro.

II

Eles desapareceram com os anseios dele.
Eles sequestraram os sonhos dela.
Eles queimaram minhas lembranças com uma vela.
Eles marcaram nossa macia pele.

Em todos esses anos,
eu nunca imaginei que envelhecer
fosse um problema a se resolver.
e, olhando para trás, nos vejo como insanos.

Pois bem, estamos crescidos agora
e a infância deve se tornar esquecível.
Contudo, isso nunca será possível…
Lembrar-se de tudo não será uma demora.

– por J. C. Gonçalves

Primeira Rebelião

Quando o caos eclodiu,
apenas corri e gritei,
sem saber para onde ir
muito menos a quem chamar.

Não havia luzes nas ruas.
As casas pegando fogo
era o que me iluminava.

Decidido a sentar
e esperar pelo meu terrível destino,
ele surgiu do chão,
agarrou minha mão
e levou-me para longe.

Sofia também foi salva.
Ela estava com medo.
Todos nós estávamos, mas ele não…
Eduardo prometeu nos salvar
e ele bravamente o fez,
derramando seu próprio sangue.

Costumávamos ser apenas crianças,
mas agora isso não é importante,
pois eles querem nos mudar e nos ferir,
e agora… nada é importante.

Não havia exceções.
Se você fosse humano,
você teria que se rebelar.

Quando a desordem acabou,
apenas queríamos voltar para casa.
Porém, não tínhamos mais casa
e não éramos mais crianças.

– por J. C. Gonçalves

3.5.14

Margaridas

Pelo coração dela eu fui acolhido
e, embora eu nunca tenha a agradecido,
ela não me quis ver perdido.

E o que seriam das flores
senão presentes aos mortos?

Pétalas brancas, centro amarelo;
não é presente nem flor.
É margarida, meu amor.
Aquilo que colocarei no seu cabelo.

E o que seria do rio
sem a efemeridade que ele representa?

Pelo coração dele eu fui compreendido
e, embora eu tenha partido,
ele se dispôs a atender ao meu pedido.

E o que seria de nós
senão pessoas assustadas?

Parede ensanguentada, parede rachada;
não é arte moderna nem atrasada.
É rebelião, meu amigo.
Razão pela qual te sigo.

E o que seria do mundo
sem a desordem que ele representa?

– por J. C. Gonçalves

2.5.14

A Máquina Favorita

Sujam-se os dedos enrugados
com os objetos empoeirados.
Sujam-se as memórias
quando se fala das vitórias.

– O ruído é grande, mas o coração é mais.

Sou velho demais para o mundo
e o mundo é velho demais para mim.
Não pense que sou homem profundo,
pois não o sou, pelo menos, não assim.

– Tenho tédio, e por isso te escrevo.

Sem mim a máquina não se expressa
e, portanto, deixa de existir com pressa.
Ó, por favor, deixemos passar essa!

– Acabou, Vicente, acabou! Tu se foste e agora eu vou.

Soa sempre em vão
tentar dizer seus nomes com afeição.
Ó, por favor, deixemo-los em paz então!

– por J. C. Gonçalves

Celestial

Algum dia nós subiremos
até as brancas nuvens
e então delas nós despencaremos,
pois são frágeis quando tu as tens.

Um som que eu não posso ouvir.
Uma cor que tu não podes enxergar.
Um aroma que ela não pode sentir.
Uma superfície que nós não podemos tocar.

Fui em busca daqueles prazeres;
mortos pelo homem e enterrados pelo tempo.
Mas, o amor dos autores
foi o meu grande contratempo.

Não há nada mais celestial
senão saber que amar é essencial
e mesmo não se sentindo transcendente
poder amar incondicionalmente.

– por J. C. Gonçalves