31.8.13

Se eu Fosse Puro

Como um fantasma
eles começam a te tratar.
Agora você é inútil,
e, para a sociedade,
uma forma de vida vil.

Em todo lugar o que vemos
é o passado retornar;
os mesmos erros sendo cometidos,
e as mesmas mentiras sendo contadas.

Tudo tem mudado subitamente,
e nem as crianças poderão ser salvas.
Todos têm falado em justiça,
mas ninguém enxerga o problema.
E cada palavra dita por eles
está corrompida por essa obsessão.

Livre-se deste livro sagrado
e vá viver naturalmente.
Livre-se deste pensamento parvo
e diga algo inteligente.
Por favor, livre-se desta obsessão
e pare de ser inconveniente.

Sou nostálgico quanto às pessoas,
porque delas perdi muito.
E desde as primeiras crenças
fomos sendo controlados;
porém, se elas te fazem bem,
não serei eu quem te impedirá
de acreditar livremente nelas.

A Instituição fala por trás das máscaras;
sem culpa ou lógica aparente.
É difícil respirar o ar corrompido,
e é fácil não querer ficar isolado.

Tenho dentro de mim
o ideal de lucidez.
Em meus sonhos
ainda somos puros.
Neles podemos escolher
o que melhor nos convir.

– por J. C. Gonçalves

Amantes Ansiosos

Sem melodias nas palavras,
modificamos o maravilhoso devaneio
que um dia duvidamos existir.
Assim, o suor escorre devagar pelo corpo
até encostar nesta superfície seca.

Lá fora o frio nos abraça forte,
e as gotas sobre a pele se tornam,
mais uma vez, súbitos desejos.
Saiba que embora eu tenha feito
infinitas viagens dentro deste lugar,
sinto-me pronto para partir de verdade;
esquecendo todas as angústias.

Durante o sono que a cidade teve,
um rosto pálido esteve me observando.
E foi a fragilidade de seus olhos
que me cativaram, e outrora,
foi a ternura de sua voz
que me despertou.

A ansiedade invadiu nossas mentes,
fazendo-nos morrer de melancolia.
Tão atordoante isto é
que me perco na vida
enquanto tento vivê-la.

No entanto, seus suspiros acabam
e ouço alguém falar próximo a mim:
"um pouco de carinho faria bem".
Declamava o tal do coração selvagem,
que há muito sentia-se solitário
por nunca ter sido tratado com sinceridade.

Eles nos ensinaram
essa forma de amar,
agora, dependemos dela.
Eles nos prepararam
para suportar a tudo,
exceto os próprios sentimentos.
Eles nos prometeram algo diferente,
mas meus olhos só enxergam
a monotonia que o mundo se tornou.

Rápido demais tal amor veio
e com ele uma dor irreparável.
Deveríamos ter vivido mais
antes de morrer no escuro.

– por J. C. Gonçalves

O Muro dos Visitantes

Deitados sobre o chão fresco
e esperando que a locomotiva
atravessasse nossa visão,
percebemos o que os mais velhos prezavam.

Pedras cinza nos mostram
como a paisagem mudou.
E tarde demais as pessoas despertam,
e cedo demais as pessoas discutem.

Foi o temor e o desdém
que provocaram uma amargura
capaz de nos afastar de nossos amigos.
Foi a insanidade dos visitantes
que limitou a paz daqueles rostos.
Foi uma humanidade parva
que privou a felicidade do mundo vivaz.

Às nove horas, apagam-se as luzes.
Volto para casa dentro de uma neblina,
sendo seguido por gritos de solidão
e, muitas vezes, de pânico.

Às dez horas, cobiço somente o sono,
o amanhã, a velhice mas nunca a morte!
pois mesmo estando cercado por loucura,
eu ainda espero uma solução.

Às onze horas, meus delírios me levam para longe.
Executo agora a primeira fuga desta prisão,
destruindo este muro abandonado.

Às doze horas, deleito-me de um prazer profundo
e tento me lembrar do que eu fazia naquela madrugada.
Contudo, parece ser uma memória inalcançável.

Dentro desse abismo:
aversões não desaparecem;
lembranças não retornam;
e amores não sobrevivem.

Somos os jovens que jogam
suas mágoas no oceano.
O que talvez fosse a nudez do mundo,
agora é escondida
pelas mentes mais cruéis e mais arrogantes.
Traga aos meus pés o melhor do infinito:
promessas esquecidas e sentimentos impróprios.

Da janela observei os tijolos caírem
como folhas de um outono aprazível.
Arrepiou a pele e calou os gritos,
que agora eram só de exaltação.
E a fuga não se fez mais necessária.

– por J. C. Gonçalves

Memórias

Entre os vagões
encontrei a afeição
que um dia me fez chorar,
e talvez isso nunca tenha sido
puro o suficiente.

Se eu fosse um forasteiro,
eu poderia roubar tua gentileza.
Mas te conheço tão bem
que hesito em me comportar assim.

Quando os dias escurecem,
não cabe aos olhos uma solução.
No entanto, para eles,
deveríamos estar dançando,
sem medo de acabar adormecendo
em um admirável mundo
que não para de girar.

Vi aos meus amigos
caminharem sem rumo,
levando no rosto
o retrato da decepção.

Senti-me seguro por não ter me rendido
assim como me senti triste por eles,
porque estavam com um buraco no peito
de tanto que arriscaram seus corações.

O desespero tomou conta das minhas mãos,
e mesmo com saudades de casa,
desejei novamente uma fuga ao exterior,
pois aqui se fez tristeza.

Nunca imaginei
essas memórias retornando;
são tão frágeis que nos impedem
de viver pacificamente.

Esconder-se da tempestade
é apenas outra forma de melancolia
que nossos pais evitam ter.
Fugindo deste sufoco,
ainda nos culpam
por todos os medos desta cidade.

Assim, em nome de meus amigos,
peço que não haja lamentações
e que dê sustento aos seus corpos.

Tuas súplicas eram críveis.
Agora, elas são somente ambições.
Não sei se eu deveria me preocupar,
mas enquanto elas não cortarem
nossos pulsos como punição,
ainda me sentirei seguro perto de você.

– por J. C. Gonçalves